'Britney Spears: a mulher em mim' é um relato comovente da trajetória de traumas e glórias

'Eu sou a Britney Spears agora', disse Jamie Spears à filha, Britney, quando era tutor da cantora. A visão de Jamie sobre essa parte da história foi exaustivamente coberta pela imprensa. Ele considera que salvou a filha de seus dias mais sombrios, segundo entrevista dada ao Daily Mail.

Foi preciso que essa tutela acabasse para que a visão de Britney sobre esse e outros períodos de sua vida fossem conhecidos. A autobiografia 'Britney Spears - A Mulher em Mim', lançada no final de outubro (Editora Buzz, 280 páginas, R$ 74 na Amazon) carrega essa expectativa de revelar perspectivas pessoais e até mesmo segredos que gostaríamos de saber.

Ele cumpre bem este papel em certos momentos. Em outros, parece mencionar ocorridos apenas porque foram muito noticiados, mas sem esmiúça-los ou acrescentar nada de novo.

Criança prodígio e Bilboard

Como muitos artistas, Britney foi uma criança que gostava de cantar, dançar e performar. E queria ser famosa. Aos 10 anos, fez um teste para o « Clube do Mickey », programa de TV em que conheceu Christina Aguilera, Ryan Gosling e seu futuro namorado, Justin Timberlake. 

Depois de uma temporada gravando, ela decidiu voltar à cidade natal para estudar, jogar basquete, ter uma adolescência relativamente normal, especialmente comparada ao que seria sua vida a partir dos 16 anos, quando lançou seu primeiro single, 'Baby One More Time', em 1998. Ele logo entrou para as mais tocadas da Billboard, e a cantora foi a primeira mulher a estrear com um single e um álbum em primeiro lugar ao mesmo tempo. 

A primeira parte do livro - em que a cantora conta o início do sucesso, o namoro com Justin, as investidas no cinema, prêmios e recordes - não prende tanto a atenção do leitor. Talvez isso seja ainda mais forte para quem viu documentários, entrevistas e todos os materiais extras que a MTV exibia, na época, sobre os ídolos teen.

Entretanto, é nessa parte que ela faz uma das revelações mais abordadas pela imprensa e pelos fãs desde a publicação: Britney conta que fez um aborto a pedido do namorado Justin Timberlake.

'I´m not a girl...'

Os momentos mais interessantes, mesmo nesse início, são aqueles em que ela demonstra mais complexidade, densidade e humanidade. É quando fala da pressão estética, do machismo que enfrentava todo dia, do assédio da mídia, da falta de privacidade para sofrer, fracassar, errar, se reerguer. Tudo isso numa época em que as redes sociais ainda não tinham escancarado as portas do mundo privado.

'Toxic'

A obra fica mais pesada - e interessante - quando Britney conta sua versão dos fatos que levaram ao pedido de interdição na Justiça por parte de seus familiares. E, depois, quando narra os treze anos de curatela. Ela dá uma versão atenuada, quando comparada a como foram retratados na mídia, de episódios que demonstram, segundo a família, como ela estava incapaz de cuidar de si e dos filhos. 

Um exemplo é quando ela se trancou no banheiro com uma das crianças, para que ela não fosse entregue de volta ao ex-marido. Ela nega uso de drogas e admite que saía muito para festas e baladas.

Britney explica como o pai passou a controlar sua carreira, seu ir e vir, seu corpo - inclusive não permitindo que ela retirasse o DIU, a lhe negar viagens, dinheiro e encontros. Ao mesmo tempo, impunha obrigações, como fazer centenas de shows em uma residência artística em Las Vegas.

"Meu pai jogou de lado minha tigela de notas e colocou as coisas dele no bar. 'Eu só quero que você saiba', ele disse, "que eu dito as regras. Você senta aí nessa cadeira e eu vou falar pra você o que vai acontecer.' Eu olhei para ele com um sentimento crescente de horror.” E foi aqui que Jamie Spears disse a frase que abre este texto - 'Eu sou a Britney Spears agora'.

'Girl in the mirror'

Britney dá detalhes de como, por treze anos, precisou de autorização para tudo, teve celular rastreado, não tomou decisões artísticas sobre seus shows, não pôde escolher o próprio advogado. Até que suplicou, em frente a uma juíza, pela revisão do processo. Tudo isso depois de muitas recaídas, idas a clínicas de reabilitação e regras seguidas, segundo ela, no intuito de conseguir ter visitas de seus dois filhos. 

"Por treze anos, vivi à sombra de mim mesma. Relembrar, agora, a forma como meu pai e seus sócios controlaram meu corpo e meu dinheiro por tanto tempo me enoja. Pense em quantos artistas homens apostaram todo seu dinheiro e perderam, quantos tiveram problemas com drogas ou de saúde mental. Ninguém tentou tirar deles o poder de decisão sobre seu corpo e suas finanças. Eu não mereci o que minha família fez comigo", ela diz em um trecho.

Ainda que você não seja fã, será difícil não se comover com a versão de Britney sobre a própria história.