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Deus detesta imagens

A tragédia do nosso tempo é que tudo mundo "sabe de tudo". E pior, a gente, confunde ética com estética

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Padre Samuel Fidelis é colunista da Itatiaia

O ser humano é ser que representa. Basta se comparar com o "pet" que você ama. Os animais, não obstante sua consciência, seu afeto, sua "devoção" (exceto ser for um gato! Se for gato ele gosta mesmo é da casa hahaah), não são capazes de representar. Eles vivem na simplicidade do instinto. Esse é sempre direcionado, necessário, objetivo. Nós, seremos humanos, em sentido diverso, nascemos condenados. A gente é, em parte bicho, em parte anjo (Sl 8). Trágicos, opcionais, subjetivos. A coisa nunca é o que é. E só é, não sendo. É aquilo que representa.

Um “lugar”, para nós, é mais do que um espaço físico. Não é só "metragem". Casa é lar, parque é romance, trabalho é campo de concentração. A “coisa” sempre se desloca como significado. Temos uma vocação para estética (aisthesis, do grego); isto é, passamos da sensação, da percepção ao significado...

Até aí, tudo bem. Saber que a gente tece ideias, poesia, novelas a partir do "chão da vida". Mas vamos dar um passo atrás: quem garante que a percepção que a gente tem das coisas "representa" o que elas realmente são?

No pensamento filosófico, há uma palavra muito pertinente para curar um dos males do nosso tempo que é o excesso de “certezas” (hoje todo mundo na internet tem certeza). Essa palavra é: "ironia". Para Sócrates, o conhecimento está muito mais próximo da ignorância, do que da convicção do acerto. "Só sei que nada sei" não é uma atestação de burrice, mas um gracejo diante da vida. É tipo aquele sorriso no canto da boca, depois da fala daquela vizinha chata que ignora o fato de que ninguém, por mais conhecimento que possua, se identifica com toda a verdade. Para Kierkegard, a atitude sensata de quem quer pensar, e não só repetir, é fazer um recuo crítico das próprias ideias. Para ele, só quem suspeita de si, das próprias percepções presumidas, conhece a verdade.

A tragédia do nosso tempo é que tudo mundo "sabe de tudo". E pior, a gente, confunde ética com estética. Para nós, basta que alguém defenda uma "boa ideia" e, essa pessoa, por si só se torna o paladino da moral, da religião, da política. Somos vítimas daquele "amor imaginativo" de que fala Dostoievsky. Esse que faz a gente "amar" abstratamente as árvores da Amazônia, as crianças de África...Esse que leva a dar a vida, desde que não dure muito. Como no teatro, onde todo mundo vê, aplaude e elogia. Esse que faz a gente esconder os piores sentimentos (ou para citar Nietzsche, ressentimentos) sob a pecha de defesa da família, da moralidade e/ou dos pobres. Na sociedade da pose, do post, da representação, falta sinceridade, reflexão, postura...

É por isso que YHWH (o Senhor Deus) detesta imagens (Ex 20, 4-6). Não admite que se faça uma representação d'Ele. Adonai detesta ídolos, estátuas que aprisionam e falseiam. Seu nome, Sua presença, Seu lugar é “ehyeh asher ehyeh” ("Eu Sou o que Serei") Ex 3,14. Não há nenhuma imagem, ideia, preceito capaz de esgotar a Sua Glória. Está em todas as coisas sem pertencer ou se confundir com alguma delas.

Não se identifica totalmente nenhuma forma viva, ou humana. Não obstante, insista a todo tempo que o vejamos no “rosto”. Como faz lembrar Levinás: na Bíblia, o rosto de quem caminha, o rosto da viúva e do órfão é uma Epifania de Deus (Dt 10,9-10).

Para Levinás, seguindo a tradição clássica da filosofia, há uma relação entre ética e estética. Para o pensamento filosófico, na contramão da nossa “cultura da pose”, não se pode separar, sem danos, o belo, do bom e do verdadeiro. Para esse filósofo judeu, a fonte da ética está no "rosto". O rosto é uma manifestação divina. Olhando o rosto, vendo-o sem preconceitos, pretextos, contextos, a gente saberá como agir concretamente, sendo genuinamente ético e bom...


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