Calcificação e Diamantes
Num contexto em que a objetividade perde espaço para a perspectiva política, os debates intensos acabam se transformando em formas de reafirmação da opinião das pessoas
O Brasil é um país politicamente calcificado. Os eleitores reagem aos acontecimentos do mundo a partir de suas preferências e valores, são muito pouco afetados pelo que acontece na conjuntura. Essa caracterização ajuda a explicar, por exemplo, como Bolsonaro ganhou força eleitoral mesmo com uma avaliação muito ruim da sua gestão na pandemia.
É o mesmo fenômeno que ajuda a explicar porque o escândalo das joias não deve modificar substantivamente a avaliação de Bolsonaro e Michele. Os últimos dados da pesquisa Genial/Quaest mostram que um dos principais preditores das atitudes e comportamentos dos eleitores é justamente sua preferência política.
Ser bolsonarista ou lulista interfere na sua visão sobre aborto, sobre a venda de armas, sobre o papel do governo na economia, sobre a confiança no STF ou sobre a taxa de juros, mas também sobre os efeitos da vacina, a segurança das urnas ou sobre a responsabilidade que A ou B tem diante de uma acusação. Nesse contexto, em que a objetividade perde espaço para a perspectiva política, os debates intensos acabam se transformando em formas de reafirmação da opinião das pessoas. Ao invés de melhorar sua opinião a partir dos fatos, as pessoas reafirmam aquilo que já acham a partir da seletividade dos dados que lhes interessa. Foi assim também com a prisão e depois com a anulação dos processos de Lula.
Vejam o exemplo das joias. Quando coletamos dados das plataformas digitais (Twitter, Facebook, Instagram, Wikipédia, YouTube, Google) e estudamos os assuntos mais comentados em cada grupo descobrimos que entre os eleitores do Lula, o escândalo das joias aparece como o mais comentado (32,2 milhões de menções/buscas), seguido de Bolsa Família (28,6 milhões) e Lula não vai aumentar gasolina (26,7 milhões). Na base bolsonarista, a discussão é outra! Além de ignorar a discussão sobre as joias, o grupo bolsonarista espalha e comenta notícias sobre o aumento dos impostos sobre a gasolina (27,8 milhões), sobre a CPMI do 8/1 (25,1 milhões) e sobre as recentes invasões do MST (21,3 milhões).
Os dados sugerem a existência de dois mundos informacionais distintos, que estão separados por meios e canais que distribuem conteúdos diferentes e diversionistas. A combinação de um ecosistema informacional enviesado, com uma calcificação das preferências políticas, resulta em estabilidade de opinião pública. Ou seja, quem gosta gosta, quem não gosta não gosta.
Felipe Nunes é Ph.D. em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). É professor de Ciência Política na UFMG e sócio-fundador da Quaest. É especialista em pesquisa de opinião e é o inventor do Índice de Popularidade Digital (IPD). Recebeu prêmios da American Political Science Association, da Divisão de Doutores da UCLA, da Comissão Fulbright, da Fundação Lemann, do CEPESP-FGV e do Clube de Marketing Político (CAMP).
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